
O plano que se propunha salvar a alta finança americana, e com o qual esta se propunha garantir a viabilidade da finança global, chumbou na sua primeira votação no Congresso americano. A segunda votação, que deveria decorrer no Senado, só aconteceria caso fosse aprovado o texto na “câmara baixa”. Posto que esta resolveu travar logo ali o documento, com a maioria dos votos contra a vir do lado Republicano, resta à administração Bush, para salvar a sua honra, reformular o texto por forma a garantir a sua aprovação.
Ainda ontem, reacções a quente a este chumbo na Câmara dos Representantes, diziam tratar-se de uma “irresponsabilidade em alto grau” por parte do parlamentares americanos.
Esta análise, parece-me ser de todo simplista, uma vez que, embora a América esteja em pleno período eleitoral e os seus políticos sejam meticulosamente escrutinados pelo eleitor, o que aqui está em causa é a viabilidade deste sistema, ou a necessidade de se reformular o que existe.
Inequivocamente, os representantes disseram não a mais sacrifícios dos contribuintes para garantir as aventuras financeiras da banca e seguros. É certo que todos sabemos (alguns certamente ainda se lembram) o que foram os difíceis anos 30, decorrentes da crise financeira de 1929 e do crash da bolsa em Wall St. Porém, nem na América, nem na Europa, apesar dos fundamentados receios, ninguém parece estar muito pelos ajustes para pagar investimentos privados que, em primeiro lugar nunca nos trouxeram qualquer benefício, e, em segundo lugar, nunca careceram da nossa aprovação para avançar.
Ou seja, o que temos é o Estado, fazendo jus ao ditado popular, pondo a mão por baixo de investimentos privados de risco, tentando garantir a sustentabilidade desta economia (privada).
E não se pense que tenho qualquer sentimento de repulsa pelo investimento privado, bem pelo contrário. É ele que agiliza a economia, que cria empregos, que faz crescer os países. O que não sou capaz de entender é como é que empresas que se julgavam num patamar de segurança tão elevado, que bem dispensavam a existência do Estado, estejam agora de mãos estendidas à porta dos parlamentos e das residências dos chefes dos executivos, pedindo a esmola do contribuinte para se aguentarem num sistema em decadência. Decadência essa, aliás, por eles criada.
Retomando a frase de Manuel Pinho, efectivamente este é o início de uma nova era. Uma era em que a aposta das empresas terá que se voltar para investimentos com garantia de sustentabilidade quer económica, quer ambiental. Uma era em que as empresas terão que voltar a assumir a sua responsabilidade social, meramente pela responsabilidade que têm para com os seus colaboradores e para com os que de alguma forma possam ser afectados pela sua actividade, e não por qualquer tipo de benefício fiscal que venham a ter. É uma era em que os Estados terão que assumir a preponderância do papel regulador, não permitindo a insuflação financeira sem qualquer base de sustentabilidade. É uma era em que os Estados terão que se organizar para impedir a fraude fiscal das empresas, à semelhança do sistema de permuta de dados fiscais de contribuintes com relações fiscais em mais do que um Estado. É uma era em que os contribuintes terão que fazer valer o poder que têm na eleição dos seus representantes, pressionando-os pela força do voto.
Ontem não foi o fim de nada, mas, como canta S. Godinho, “Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida”. Hoje, é o primeiro dia dos outros que se seguirão. Hoje teremos que estar mais atentos, mais conhecedores das decisões dos nossos Governos e menos tolerantes perante situações de profunda injustiça social, tais como financiar empresas que profetizaram o fim do Estado.
Manuel Pinho está certamente habilitado para fazer a afirmação com que iniciou o discurso de entrega dos prémios da revista Exame. Mas está também, certamente, habilitado para conduzir a nossa economia na nova era que ontem começou.
Rui Estêvão Alexandre
Politólogo
Membro do Secretariado da Secção do PS de São Domingos de Rana
Sem comentários:
Enviar um comentário