Perdoem-me os puristas, mas são, em abstrato, muito anteriores a Joseph Nye as primeiras conceptualizações de soft power, enquanto formas de exercício do poder tão subtis quanto eficientes, ainda que de modo arcaico, aplicadas ao modelo democrático. Já a República, idealizada por Platão, dispunha de um lugar – o Conselho - onde se encontram todas as autoridades da Cidade, que se articulam aqui com mais facilidades para promover a finalidade última: o bem. Os governantes necessitam de o saber reconhecer na sua unidade e ter a consciência inequívoca que outros pretensos bens, como a liberdade, a riqueza ou a igualdade, lhe são inferiores. Daí o estudo e a prospectiva estratégica, indispensáveis para se chegar à concepção fundamental da unidade do bem e, por conseguinte, governar correctamente.
Mas deixemos a antiguidade clássica e centremo-nos no construtivismo internacional que caracteriza a Europa deste início de século XXI.
Do mesmo modo que os soft skills são exigíveis ao indivíduo para uma plena inserção social – já não bastam os conteúdos assimilados e os respectivos graus académicos (hard skills) - , também do Estado, e Portugal não é excepção, se espera que, a cada momento, os governantes revejam o seu quadro conceptual estratégico, adaptando-o às exigências da governance desejável para as sociedades abertas, no pressuposto de que nada é permanente excepto a mudança. E isto incomoda tremendamente os defensores do status quo, geralmente adeptos de políticas mais hard, do tipo “ou vai ou racha”.
Nesta perspectiva, recai sobre o nosso tempo o inadiável imperativo de avaliar e rever alguns dos fundamentos da política tradicional. Durante muito tempo, fomos influenciados pela ideia clausewitziana de que a guerra é a continuação da política por outros meios. Paradoxalmente, pode ser que tenha chegado a hora de nos darmos conta que, em determinadas circunstâncias, também a política mais não é do que uma extensão da guerra. Alguém duvida que a desregulação do preço dos combustíveis, as espirais de volatilidade dos mercados financeiros internacionais ou os novos (des)equilíbrios energéticos transferiram para a política responsabilidades anteriormente imputadas à guerra?
E, salvo melhor opinião, nestas matérias são totalmente desaconselhadas as opções estratégicas arrogantes, em favor de uma nova dimensão da acção e do discurso e da acção política, que urge conceptualizar, sob pena da qualidade da democracia se relativizar e da sociedade de confiança não ser possível.
Mas não mudam apenas a acção e o discurso político, encurta-se também o tempo político. Das duas uma: ou a decisão é just in time ou, pura e simplesmente, não existe.
Se este raciocínio estiver correcto, faz sentido perguntar que tipo de interacção estratégica pretende o mundo democrático firmar com os outros actores, no jogo das (inter)dependências, em ordem a preservar os seus interesses e de defender o seu modelo de vida? Será preferível que essa relação assente no temor que se provoca no outro (o que o tornará mais avisado e resistente) através do uso de estratégias duras, visando coagir o outro pela força, conforme Maquiavel e Clausewitz referiam?
Ou será preferível utilizar estratégias suaves, que conduzam a uma relação caracterizada preferencialmente pelo consentimento do outro, que se julgará mais protegido que coagido, praticando aquilo que Sun Tzu considerava a arte suprema da estratégia – submeter o inimigo sem o combater?
Na política, como em tudo na vida, será melhor provocar o medo, o temor, ou esbater a resistência do outro, procurando o seu consentimento e adesão?
Eurico Rodrigues
Mestre em EstratégiaMembro Fundador do Clube de Reflexão Política a Linha
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