As eleições de Setembro e Outubro têm surgido como o culminar de um ano político invulgarmente intenso, mas tudo indica não serem o fim, antes sim o reinício, sob novas formas, da prática política tal como a temos vindo a conhecer desde há cerca de um ano a esta parte. Isto é, parece assegurada a continuidade do fontanário presidencial, um sistema político caro a quem em Portugal se diz presidencialista mas entende o presidencialismo como um exercício de «influência» sem face, nem nome, nem palavra.
O comportamento do Palácio de Belém em sucessivos episódios, agora o das «fontes sob escuta» (
mas afinal disponíveis no site do PSD) e o da não recondução do cirurgião Lobo Antunes num cargo oficial (que o Presidente poderia ter assegurado, caso quisesse, pois nomeia 3 dos membros do organismo), são apenas os mais recentes jorros do fontanário presidencial. Antes houve os insultos públicos à Assembleia da República por causa do Estatuto dos Açores, a conivência com Alberto João Jardim e a sua «democracia avançada», o humor sobre o jipe necessário para carregar iniciativas legislativas a avaliar este Verão, enfim, um já demasiado longo rol de «casos» inventados a partir do Palácio de Belém sempre sem responsabilização de ninguém nem sequer desmentidos (e desculpas) oficiais.
A doutrina do fontanário consiste em teleguiar as forças políticas sem nunca assumir o preço disso. Quando se assume, como sucedeu no caso do PRD de Eanes, o resultado rapidamente se tornou incómodo. Daí, até pela experiência do actual PR nesse episódio, convém doutrinar a partir da oposição quando o governo dispõe de maioria absoluta, para o odioso ficar sempre com quem tem «poder». E, assim que houver governo de maioria relativa, interferir nele com a ameaça do poder de dissolução. Esta velha doutrina não é exclusivamente política, faz parte de velhos hábitos pátrios de manipulação, denúncia, rumores ou, como agora se usa, «suspeitas». Em seu tempo, de outra maioria absoluta, Sottomayor Cardia comentava que Portugal não sofria de problemas de governabilidade porque era até demasiado fácil o «governo» - em moldes não responsabilizantes, como os da doutrina do fontanário. Sucede que, em tempo de cobertura noticiosa permanente e véspera de eleições, as «fontes» salpicam demasiado. E quem já viu o jardim do Palácio sabe que as fontes ganhavam com uma manutenção...
Também isso deve ser assumido pelo Secretário Geral na próxima campanha: o PS compromete-se a governar com este Presidente mas não o apoiará se decidir recandidatar-se. A sua política não é a nossa, e o seu modo de a exercer não merece já comentários. Merece apenas um adversário capaz de o derrotar, ou ao candidato que a Direita apresente no seu lugar. Não será certamente o essencial desta campanha, mas tratar-se-à de uma clarificação ideológica e política que servirá para diferenciar ainda melhor o PS do PSD - hoje igual ao do cavaquismo.
A Linha
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