Não espanta.
Os madeirenses continuam fieis ao homem que transformou a Madeira de região paupérrima, onde famílias inteiras viviam em furnas ou grutas encostas abaixo, numa das que maior crescimento registou nas três últimas décadas e é actualmente das mais desenvolvidas de todo o território nacional. E sobretudo porque, com Jardim, não foram eles, os madeirenses, quem, até agora, teve de pagar a respectiva factura.
Jardim fez obra na ilha – tanta que se perdeu a conta às placas com o nome do presidente do Governo Regional – e não tem, nunca teve, oposição à altura.
Porque a verdade é que não é fácil ser oposição a Jardim na Madeira. E ninguém ousa pôr em causa a dimensão da obra, não pelos buracos financeiros que já eram conhecidos aos que ficaram só agora a conhecer-se e dos mais que eventualmente ainda estejam por apurar, mas pelas outras consequências negativas – que também as houve – para a região e respectiva população.
Nesta semana, na recta final da campanha para as eleições de domingo, há dois exemplos paradigmáticos. De mais duas inaugurações de Jardim.
A primeira, mais um túnel (de quase dois quilómetros).
A dimensão da obra de Jardim, além do agravamento exponencial da dívida, tem sido quase sempre apenas criticada pelo impacto na paisagem natural da ilha. Mas a Madeira continua com a beleza ímpar do Curral das Freiras, da floresta de Laurissilva, do Pico Ruivo ou do Pico do Areeiro, das levadas e escarpas, das casas de Santana, de todo o Porto Moniz ou do centro histórico do Funchal...
A questão é outra: o seu verdadeiro impacto ambiental.
As enxurradas acontecem. Mas as suas consequências são tão mais terríveis quanto a intervenção do homem na natureza a torna mais vulnerável.
E a verdade é que os túneis, e não só, mexem com as entranhas de uma ilha cada vez mais oca, alteram os seus lençóis freáticos e o escoamento das águas.
Quando as enxurradas devastaram a Madeira, há dois anos, a comunidade nacional e internacional mobilizou-se e solidarizou-se. Como devia.
Mas, anos passados, o que se viu é que mesmo o dinheiro angariado para a reconstrução das zonas mais abaladas foram empregues noutras obras... que mais ainda vulnerabilizam a ilha.
O segundo exemplo paradigmático foi a inauguração da sede regional do sindicato dos professores.
Jardim não contou nesta campanha com a presença e o apoio de nenhum dos principais dirigentes nacionais do PSD.
Mas quem de direita consegue ter a seu lado em plena campanha eleitoral dirigentes sindicais de esquerda – como Mário Nogueira –, bem pode dispensar os dirigentes nacionais do PSD, sobretudo quando estão no poder e em tempo de vacas anorécticas.
Mário Nogueira, líder da Fenprof, sindicato dos professores filiado na CGTP, bem pode dizer que não foi à Madeira fazer campanha eleitoral pelo PSD regional de Jardim.
Não interessa. A imagem do coordenador da Fenprof a receber das mãos do líder madeirense as chaves da nova e vistosa sede regional do sindicato dos professores é o que importa a Jardim. Nogueira, por mais que ainda possa vir dizer para os media, não apagará o ar de satisfação e de reconhecimento do momento em que entrou nas novas instalações entregues por Jardim. Apesar de bem saber que a obra é mais uma daquelas feitas com dinheiro que a região e o país não têm e cujo preço a pagar por ela é, por isso, muito mais elevado do que o custo da sua edificação.
É por exemplos como este de Mário Nogueira no Funchal que o que espanta é que ainda haja quem se espante com as maiorias absolutas de Jardim.
O eleitorado madeirense vota tão naturalmente em Jardim como o eleitorado do concelho com mais licenciados no país continua a eleger presidente da Câmara alguém acusado, pronunciado, julgado e condenado nos tribunais e que se refugia em recursos atrás de recursos para evitar o cumprimento da pena.
Um estudo divulgado em 2010 pela Marktest – o Atlas Social – revela que o concelho com mais licenciados em todo o país é Oeiras, onde Isaltino Morais foi sempre reeleito, mesmo concorrendo contra uma candidatura do seu partido de sempre.
Isaltino ganhou porque tem obra feita e apostou no desenvolvimento económico da autarquia, ultrapassando a vizinha e elitista Cascais no PIB per capita.
O eleitorado da Madeira, o tal que se rende a Jardim, não o faz porque é mais iletrado ou destituído de cultura democrática.
É absolutamente igual a todos os outros eleitorados, movidos por um critério individualista e interesseiro.
O interesse público, a causa pública, a ética republicana contam pouco.
Esses, valem para os discursos do 5 de Outubro, cujo significado cada vez mais se reduz a mero feriado nacional. Que é disso que o povo gosta."
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