É comum afirmar-se em Portugal, dos meios académicos aos responsáveis governamentais, que a Política Externa Portuguesa mantém inalterados, desde a Revolução dos Cravos, três desígnios fundamentais, que constituem uma espécie de “Triângulo Estratégico”: Europa, EUA e Lusofonia, relegando-se depois para último plano o resto do mundo.
Neste sentido, afigura-se que seja talvez chegada a hora de procurar reunir contributos para uma (re)visão que ajuste as relações internacionais do Estado Português à sua vocação universalista e marítima, que permita ao pequeno Estado constituir-se como um actor global, ou pelo menos de tendência/aspiração global. O “Triângulo Estratégico” da Política Externa Nacional Portuguesa ganharia em ser temperado com uma perspectiva mais ambiciosa e, a um só tempo, mais cirúrgica.
Como repetidamente tem afirmado o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros Luís Amado, existem hoje novas situações que requererem um novo empenho renovado e reclamam capacidades diferentes para antecipar crises e problemas. Agir e não só reagir, procurando, perante cada equação de interesses ou situação concreta, afirmar factores de diferenciação e de valor acrescentado nacional. Importa ganhar uma redobrada mobilidade estratégica para fazer face à globalização e aos novos desafios da Europa e do Mundo.
Comecemos pela Europa. E quando falamos em prioridades da política europeia portuguesa podemos, por razões de sistematização e facilidade analítica, dividi-las em dois tipos de categorias:
Primeiro, as que são prioridades estratégicas de longo prazo e, logo, estruturantes, e que se prendem com os (im)prováveis alargamentos da União Europeia e as negociações das questões financeiras com impacto directo no quadro comunitário de apoio ao desenvolvimento de Portugal: estas questões estão interligadas e só uma visão global das mesmas, devidamente conjugadas, é que nos permitirá assegurar uma cabal defesa dos interesses de Portugal no quadro da União Europeias a 27.
Segundo, os temas que vão sendo propostos pela Comissão Europeia, no exercício do seu poder de iniciativa da União e aos quais temos de estar sempre preparados para responder. Estas matérias podem ser questões sem grandes implicações de fundo para os nossos interesses; mas podem revestir-se do maior relevo político, social e económico para Portugal, com impactos não apenas conjunturais mas eventualmente estruturais.
Por outro lado, e no que se refere às futuras reformas institucionais da União, o nosso país deverá afirmar a sua posição com base no respeito dos seguintes cinco princípios fundamentais:
(i) O princípio da igualdade entre os Estados. Como ensina Adriano Moreira, a praxis internacional mostra-nos que “há Estados mais iguais que outros”, perversão a que importa não dar tréguas;
(ii) O imperativo da coesão económica e social entre os Estados membros;
(iii) A necessidade do equilíbrio interinstitucional, com respeito do actual método comunitário e a recusa de directórios de interesses;
(iv) Uma visão gradualista da construção do edifício europeu;
(v) A urgente e incontornável necessidade de reposição de um elevado nível de confiança entre Estados, severamente afectada desde Nice e agravada pela actual crise internacional.
Evidentemente que existem prioridades na nossa política externa. Eis apenas algumas delas, que, quando prosseguidas de acordo com elevados padrões de sucesso, podem inclusivamente ser parte da Grande Estratégia Nacional – aquelas que o mais leve dos olhares externos põe em relevo:
A nossa participação activa na formulação de consensos e políticas europeias no quadro dos mecanismos da Política Externa e de Segurança Comum (PESC). Para um país com uma política externa de aspiração universal (o que nem sempre é o caso dos países europeus da nossa dimensão), a participação activa nos processos de decisão da PESC é essencial para assegurar a coerência entre as posições europeias e aquilo que nós próprios defendemos, nomeadamente em relação a África, à América Latina e à Ásia;
O reforço da nossa presença na NATO -, no quadro do art.º 5º do Tratado de Washington que é, simultaneamente, uma garantia de solidariedade entre os aliados e uma realidade incontornável e indispensável à nossa própria defesa. Sendo certo, como ensina Pinto Ramalho, que “para se pertencer ao Clube, têm de se pagar as quotas, ou então é-se um estorvo”. A nossa participação na NATO vai a par com dois outros vectores igualmente importantes: o relacionamento preferencial com os Estados Unidos – Relações Transatlânticas, globalmente consideradas -, país como qual partilhamos uma fronteira marítima atlântica, e a proposta de consolidação das capacidades europeias em matéria de segurança e, a longo prazo, de defesa, que são, elas mesmas, um desígnio da própria União Europeia.
Importa conferir uma abordagem renovada às nossas relações com África, com particular incidência nos Países de Língua Oficial Portuguesa, destacando-se entre estas as relações com Angola;
O quadro da CPLP, que importa aproveitar adequadamente, trazendo-lhe maior densidade em múltiplas matérias de cooperação (educação e cultura; segurança social; cooperação técnico-militar, entre outras) de forma a permitir-lhe a visibilidade internacional que entendemos desejável para esta Comunidade;
Mas podemos ir mais longe. É fácil elencar os pontos focais mais óbvios. A procura de soluções que permitam uma prática e um aproveitamento concreto do espaço ibero-americano, dos nossos interfaces com a América Latina e, em especial com o Brasil, país com o qual temos de aprofundar e construir relações globais que ultrapassem os sectores cultural e económico, adquirindo uma envolvente política que permita transpor para a prática quotidiana o enorme capital humano que se sedimenta num história impar comum, concretizando assim, de modo efectivo, o recorrente discurso político que sublinha os laços fraternos que unem Portugal e o Brasil;
As nossas relações com a Ásia, especialmente com a Índia e o Paquistão, mas também com a China, o Japão, a Coreia do Sul, as Filipinas e Singapura, têm de ser redimensionadas nos planos político, económico e cultural. No caso da China, que merece uma palavra autónoma, importa aproveitar o estatuto de Macau para privilegiar novos impulsos nos planos económico e cultural;
Também o novo estatuto de Timor independente deve agora permitir focalizar a cooperação noutros moldes, dando prioridade à língua e à segurança. E também manter um permanente diálogo com os Estados da Ásia-Pacífico, nomeadamente a Austrália e a Indonésia, de modo a garantir a consolidação da independência de Timor;
Importa ainda manter um diálogo efectivo e mutuamente proveitoso com os países da margem Sul do Mediterrâneo, sobretudo os que nos estão mais próximos. Não podemos esquecer que Marrocos é um país nosso vizinho, como qual partilhamos uma fronteira marítima (e mesmo que Rabat é a capital mais próxima de Lisboa, e não Madrid, como por vezes erradamente se induz), que a Argélia é uma fonte essencial para o nosso abastecimento energético (a par com a Nigéria) e que a Tunísia é para nós um mercado emergente;
Afigura-se igualmente importante recordar as declarações de Luís Amado relativamente à importância de “abrir” novas embaixadas e postos consulares em países do Médio Oriente, em particular no Dubai, países cujas economias evidenciam valores de crescimento exponenciais.
No âmbito multilateral, em particular das Nações Unidas - em sede de legitimidade do Direito Internacional Público -, importa agir no sentido de que a actual guerra entre Israel e o Hamas não congelo o diálogo entre as duas margens do Mediterrâneo. Nesta matéria, importa dar todos os contributos possíveis para o denominado Processo de Paz para o Médio Oriente, ou, em caso de falência deste outro venha a tomar o seu lugar.
Para um pequeno Estado de matriz universalista, a Política Externa Nacional tem que saber aproveitar o quadro multilateral, em que a força do direito se sobrepõe ai direito da foca, nomeadamente no sistema das Nações Unidas, para projectar os seus interesses e multiplicar a visibilidade das suas posições. Aliás, a participação em missões de manutenção de paz, as candidaturas a lugares nos órgãos de decisão de organismos internacionais e uma maior presença no funcionalismo internacional são tantos outros vectores em que nos podemos continuar a afirmar no plano multilateral, pois dessa afirmação resulta, em boa verdade, a ampliação da imagem de Portugal junto dos nossos parceiros internacionais (na política como estratégia, e a imagem percebida, mais que a imagem real, que é determinante);
Por último, mas não em importância ou prioridade, o combate ao terrorismo internacional. Estamos em crer que, mesmo depois de ultrapassado o atoleiro do Iraque, em que larga medida se insere num combate desregulado ao terrorismo internacional que emergiu do 11 de Setembro, voltarão a vir à superfície tanto os velhos e recorrentes egoísmos nacionais, inerentes ao próprio Estado, enquanto actor principal do sistema internacional. A par, naturalmente, dos pós-modernos actores não estatais, cujo protagonismo originou o actual ambiente não-clausewitziano, de que falam Loureiro dos Santos e Pezerat Correia, entre outros estrategistas, de fundo escatológico, e que escapa ao tratamento polemológico tradicional.
Um olhar interno confirma este diagnóstico. A Segurança tem um valor eminentemente económico e social, como repetidamente afirma Abel Cabral Couto. Ameaças de novo tipo exigem uma articulação cada vez mais estreita entre os Ministérios dos Negócios Estrangeiros e o da Defesa Nacional, e de ambos com o da Administração Interna, o que não é pequena tarefa para um país onde se diz comummente que os “ministérios não têm janelas” - embora as janelas de oportunidade estejam abertas.
Trata-se, em boa verdade, de uma situação dual e compósita, que soma às ameaças convencionais ameaças e riscos totalmente novos. Ainda ninguém em boa verdade colocou em causa o nosso Triangulo Estratégico, mas há que conferir maior ambição e actualidade às nossas relações com os outros.
O final do século XX deixou-nos um pesado legado, incluindo a obrigação de nos readaptarmos aos novos enquadramentos, de proceder a reajustes, a aperfeiçoamentos. Obriga-nos a que levemos a cabo algum reposicionamento, mas mantendo, na linha da frente das nossas preocupações e objectivos, os interesses nacionais e a redefinição do nosso lugar no mundo que teima em não parar de mudar. Como ensina Armando Marques Guedes, para lá de modas e apetites efémeros, precisamos do nosso lugar na Europa, da nossa relação com a América, de continuar em África. Isso não mudou. O que mudou foi como fazê-lo. As constantes estratégicas mantêm-se, o que se alterou foi o modo de inserção numa conjuntura de contornos inéditos. Tudo isto exige respostas estruturais e estratégico-organizacionais claras, e elas têm de ser novas, orientadas para o reforço da liberdade de acção da comunidade a que pertencemos. Liberdade de acção que, recorde-se, se cristaliza na autonomia nos permita continuar a sermos o que queiramos… até porque sem segurança não existe verdadeira liberdade.
Fernando Montenegro
Auditor de Política Externa Nacional
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