
A Chanceler alemã Angela Merkel sustentou recentemente que os estados incumpridores deverão ser punidos com a expulsão da zona Euro, alegando que os "países fortes" não podem atrasar a sua marcha de progresso por causa dos "países fracos."
É evidente, ninguém discute a liderança económica da República Federal Alemã na União: os respectivos índices de produção industrial com toda a propriedade lhe justificam o habitual epíteto de "motor da Europa". Mas também importa lembrar que essa liderança sempre foi um pressuposto da criação e desenvolvimento do projecto europeu. Pois que, a nosso ver, a abertura das fronteiras e concomitante liberalização dos mercados não teria tido lugar caso esse processo não se afigurasse vantajoso para o gigante germânico. Daqui não resulta que os estados economicamente mais frágeis tivessem ipso facto de ficar a perder com a sua adesão. Também eles procuraram garantir a defesa dos seus interesses próprios aquando das negociações dos tratados. Com efeito, a Europa sempre existiu no pressuposto de uma troca de benefícios entre os países que a compõem: “A União promove a coesão económica social e territorial, e a solidariedade entre os Estados-Membros.”, Tratado de Lisboa, art.º 3º, § 3º.
A ameaça com o banimento para uma Europa a duas velocidades acaba por ser ineficaz como medida compulsória, porquanto essa é a dura realidade que os portugueses sempre conheceram e que esta admoestação apenas veio colocar em maior evidência. A enorme diferença nos salários, nas pensões e nas prestações sociais, entre os “países fortes” e os “países fracos“ não deveria deixar margem a ilusões: mostra-se à saciedade que a Europa nunca chegou a marchar a uma única velocidade. O reconhecimento de que a integração trouxe alguns resultados positivos ao nível do desenvolvimento não deve fazer escamotear o aumento do desemprego, bem como os desiguais índices de qualidade de vida entre os cidadãos dos diversos estados europeus, que se perpetuam.
Estando em causa o sucesso do modelo de coesão europeia que nos foi proposto, quando os interesses instalados resistem a submeter-se ao escrutínio das opções por si tomadas, pode revelar-se tentadora a via da culpabilização dos mais pobres, fundada na perigosa invocação do velho arquétipo darwiniano: os fortes eliminam os fracos.
Este episódio deve alertar-nos não tanto para os problemas com a sustentação da moeda europeia, quanto para a crise a que parece estar a ser submetida a própria ideia fundamental que deu corpo à União: coesão e solidariedade entre os Estados-Membros.
Paulo C. Ferreira
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