O Dia do Trabalhador é a data, talvez mais do qualquer outra do nosso calendário social e político, que mantém uma genuína capacidade de associação e de envolvimento social com o simbolismo que a define. É assim dentro do campo da Esquerda que cabe a cada um definir como se predispõe a agir.
Como é público, o serviço público nas áreas social e laboral está sob um ataque ideológico que se prolonga desde a legislatura anterior, antes mesmo de a crise internacional de 2008 se ter manifestado. No nosso entendimento, esta ofensiva que se recusa a tirar consequências das perturbações sociais (e de mercado também, diga-se) das políticas neoliberais, apenas é possível por explorar os sentimentos sociais mais reactivos e nocivos à democracia: a inveja, o medo, o ressentimento, o egoísmo e a estigmatização dos mais fracos e desprotegidos. Ora, perante esta insistência na desvalorização do papel do Estado, que visa abolir apoios sociais mínimos como o Rendimento Social de Inserção ou eliminar quaisquer valores mínimos do subsídio de desemprego, qual a missão política que cabe à Esquerda?
A nosso ver, importa não deixar passar a mensagem social de a Esquerda, em especial a Esquerda a quem cabe governar, estar acantonada num conjunto de posições que apenas defendem interesses já instalados e sectores sociais corporativamente protegidos. Analistas mais atentos da nossa realidade política e mediática já notaram há muito que essa tem sido a arma da Direita e das forças conservadoras em geral na desqualificação das políticas sociais de Esquerda desde meados da década de 1980 (veja-se Eduardo Lourenço, A Esquerda na Encruzilhada ou Fora da História, Gradiva, 2009). Para tanto, será necessário prosseguir as reformas da anterior legislatura, focando aspectos particulares mas não rompendo com o quadro geral já criado. Assim, o modo de proteger o salário mínimo nacional será valorizá-lo, de modo a propulsionar o mercado de trabalho em geral. De modo similar, o subsídio de desemprego terá de ser revisto no sentido de ser uma prestação entre empregos, ligando-o mais estreitamente às dinâmicas do mercado de trabalho. Já as prestações sociais não contributivas devem ser protegidas e valorizadas através da sua articulação com beneficiários até há pouco excluídos delas (como os pais na licença de parentalidade) e implementadas com o mesmo rigor na sua execução que as prestações contributivas, de modo a todas proteger, por igual, de ataques demagógicos e populistas.
Não estamos aqui confrontados apenas com um combate ideológico, note-se. Este é de facto real e central, mas não deve obscurecer a necessidade de permanentemente afinarmos os mecanismos de execução dos apoios sociais, de modo a que estes correspondam às mutações e exigências da sociedade à qual o Estado tem por missão prestar serviço público. É a viabilidade deste serviço público que está em jogo, num quadro que excede o âmbito estrito do Trabalho e da Solidariedade Social, em rigor. Sem assegurar essa viabilidade nada será possível contra a ofensiva sistemática que visa a subtracção e o condicionamento do serviço público. E, cremos, é perante estas realidades, e no contexto de uma crise internacional que reforça a necessidade de políticas sociais ao mesmo tempo que dificulta a sua execução, que a Esquerda tem de se definir.
Pela nossa parte, cremos estar perante desafios como os que, no passado, já enfrentámos com êxito e que hoje enfrentamos no âmbito da Concertação Social. Assim foi com a luta contra a unicidade sindical, conduzida por Mário Soares e Salgado Zenha, que garante hoje um Primeiro de Maio plural e despartidarizado. Assim foi contra a nacionalização da economia, em combates travados por António Barreto e Sottomayor Cardia, na criação de um socialismo de distribuição e de igualdade de oportunidades em vez de colectivista e indiferente ao mérito. Assim foi com a implementação dos direitos sociais de terceira geração nos governos de António Guterres, articulando dimensões laborais, sociais e educativas como nunca antes se havia logrado entre nós. É na continuidade destas políticas que nos situamos, recuperadas hoje pelos governos PS depois de ataques repetidos (políticos e legislativos) durante 2002-2005. Cabe a toda a Esquerda, agora que se anuncia uma tentativa de revisão constitucional visando áreas como a Saúde, a Educação e os apoios sociais, tomar posição. Nada de resignação perante acusações de utopismo ou de imobilismo, nada de ilusões quanto a quem são os contestatários dos direitos dos trabalhadores. A lei, não o recurso à rua, é a melhor protecção dos fracos contra os abusos dos que mais podem. O Primeiro de Maio pode, e deve, ser para todos o momento de uma resposta que não tem de ser unânime, mas terá de ser concertada. Da nossa parte, dizemos onde estamos e o que queremos.
Lisboa, Dia do Trabalhador, 2010.
1 comentário:
Parabéns pela reflexão.
Que em Maio se sucedam muitos Abris em flôr.
Óscar Lopes
Almada
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